sexta-feira, 15 de abril de 2011

Minha experiência em sala de recuperação de alunos

No ano de 2008, assumi uma sala de recuperação contínua. O desafio era grande, 20 alunos que estavam em defasagem de idade/série, indisciplinados e com baixa auto estima.

Apesar de saber de todos os problemas da sala, resolvi assumir, pois além de ter uma ótima oportunidade de aprendizagem, sei que faria a diferença na vida dessas crianças, pois as amei desde o início.

Não foi fácil o trabalho, primeiro tive que trabalhar resgatando a auto estima, com canções, brincadeiras, atividades bem simples, para depois de conquistada a confiança deles, poder de fato fazer as intervenções.

Uma característica que a maioria deles tinha e que muito me chamava a atenção era que eles tinham medo de enfrentar desafios, nem tentavam, a auto estima deles estava tão abalada, que ao perceberem que não sabiam resolver, ao invés de me solicitar ajuda, algo que eu faria prontamente, eles abaixavam a cabeça e choravam. Todos os dias eu saia de lá com o meu coração partido e pedindo a Deus uma clareza de ideias, um caminho.

Comecei a desenvolver um projeto de leitura que a minha colega Monica havia aplicado com seus alunos e coloquei em pratica, também havia combinado que se eles se comportassem, no final da aula nós teríamos recreação. Eu precisava dar-lhes algum reforço positivo para que se sentissem motivados. A maioria das vezes deu certo, nós fomos muitas vezes para a quadra e lá desenvolvi muitas atividades de psicomotricidade juntamente com minha amiga Débora, que foi uma pessoa muito importante nesse projeto.

Acho que o mais difícil nessas turmas é o próprio preconceito dentro da escola, certa vez, ao falarem das turmas, uma colega falou assim: Eles são ruins pra caramba e todos os demais acharam engraçado, tive uma vontade louca de gritar pra todo mundo que eles mereciam uma oportunidade e que não tiveram a chance de serem atendidos em anos anteriores. Doeu-me profundamente, no mesmo instante precisei sair da sala e enxugar minhas lágrimas.

Infelizmente me contive, não tive palavras para argumentar, defender, expor meu pensamento, porque minha voz sairia embargada pela emoção do momento e creio que perderia a credibilidade.

Acho que eu precisava passar pelo que eles passam constantemente, pelo que ouvem sempre e quando nós o pegamos, estão com a auto estima tão abalada que não acreditam que alguém pode amá-los, que explodem em gritos e discussões com seus amigos. E tal comportamento é tido como indisciplina. A maioria era de meninos, 15 meninos e 5 meninas.

Certo dia um deles me abriu o coração: “Tia, sabia que meu pai bate na minha mãe na minha frente e do meu irmãozinho?” O que dizer disso? Qual o comportamento que uma criança dessa vai reproduzir na sociedade se não encontrar alguém que possa ajudá-la a superar seus traumas, sua história?

Eu lhe perguntei: “Você sabe que não pode fazer isso, não é?” E Ele respondeu: “Sei, quando eu crescer, serei um homem de Deus, não vou fazer isso”

Certa vez saimos para um passeio, conversamos muito antes, era um desafio e tanto, mas eles me prometeram que se comportariam, no caminho estivemos com outros colegas, um deles virou para o amigo e disse: "Eu já sei ler". A afirmativa se deu frente a uma emoção incrível, havia a necessidade de falar para os amigos, de comunicar que ele também era capaz, na sua necessidade de auto afirmação, então olhou para mim e perguntou ansioso: Não é, tia?
Eu olhei bem dentro de seus olhos e sorrindo lhe respondi com sinceridade: Sim, você já sabe ler e percebi que ele queria pular, ficou rindo sem parar.

A mãe de um deles me falou: Meu filho não ficava na sala de aula, eu não tinha mais vontade de vir à escola, ninguém o entendia, todas as vezes que chamada era só pra reclamarem dele, para que vir então, hoje eu quero vir, obrigada professora por tratar meu filho com amor.

Meses depois eu ouvi: Professora, obrigada. Meu filho sabe ler, eu estou tão feliz! Hoje ele leu pra mim, não para de ler.

A mãe de outro aluno falou: Professora, é tão bom ver meu filho lendo, ele entra no banheiro e quer ler tudo o que está lá, começamos a andar pelas ruas e ele fica lendo o tempo todo.

Outra mãe: Professora, tive que mudar meu filho de escola várias vezes, por agressividade, houve uma vez que precisei ir o mês inteiro para que ele ficasse na sala de aula. Não sei o que aconteceu aqui, muito obrigada por tudo.

A mãe de um aluno dislexo recebeu a seguinte fala da fonoaudióloga: Seu filho está lendo bem, o trabalho desenvolvido está atingindo os objetivos, parabenize a professora.

Sabe qual foi o segredo? Amor, amor e amor, eu os amei de verdade e tudo depois era consequencia, vendo-se amados, sentiam vontade de mostrar pra mim que eram capazes.

Sofri muito, foi um trabalho árduo, 22 alunos são muitos, deve ser reduzido para no máximo 15 alunos, porque eles precisam de muita atenção, cheguei no final do ano com as emoções em frangalhos, mas valeu a pena. E agradeço a Deus que me deu essa oportunidade única.

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